sexta-feira, 30 de setembro de 2011

O Legado da Idade Média



















 Em 1969, pouco depois que o homem dera os primeiros passos na Lua, um menino, a quem lhe perguntaram quais eram as causas do progresso técnico da Humanidade nos últimos séculos, respondeu resolutamente:
 - É porque, depois da Idade Média, os homens começaram a pensar...
 Tinha oito ou nove anos, mas já "sabia" que na Idade Média as pessoas não pensavam. Já disse, e insisto: este desconhecimento não é patrimônio exclusivo dos jovens, que, afinal, têm uma desculpa, já que não fazem mais do que repetir o que lhes ensinou.
Recordo-me de uma entrevista que mantive há algum tempo com um jornalista na televisão, a propósito de Joana d'Arc. O jornalista me perguntou se se conheciam os autos do processo e então expliquei-lhe que possuíamos os autênticos, a transcrição feita por escrivães, como se fazia em todos os julgamentos naquela época (1430), desde as perguntas ao tribunal as respostas da acusada.
 - Mas...? Escreviam tudo?
 - Sim, tudo.
 - Devem ser grandes volumes...
 - Sim, muito grandes...
 Parecia que estava falando com um analfabeto.
 - Então, para publicá-lo, deve ter existido alguém que copiou tudo...
 - Sim, tudo.
 Notei que estava tão assombrado que me pareceu delicado insstir.
 Logo murmurou baixinho:
 - Parece incrível que aquela gente fosse tão cuidadosa...
 'Aquela gente..." "tão cuidadosa..." Será que o jornalista  em questão nunca com contemplou a abóboda de uma catedral gótica? Será que nunca parou para pensar que para que aquilo se mantivesse de pé por mil anos, com quarenta metros de altura, era necessário ser bastante cuidadoso? Recordo-me de outro interlocutor que, também falando de Joana d'Arc, me dizia com ar de superioridade: "Bem, se este documentos existem, devem estar num estado que não haverá ninguém que os leia..." Para convencer-lhe de seu erro bastaria que visse uns tantos quilômetros de estantes do Arquivo Nacional e poderia comprovar que o pergaminho ou papiro são muito mais resistentes que nosso papel atual e se conservam intactos durante séculos...Mas teria sido inútil, posto que se trata de preconceitos, de uma visão deformada da história da humanidade. No que concerne a Idade Média, teria de começar por aceitar que "aquela gente" era como nós somos, nem melhores, nem piores, gente ante as quais não basta encolher os ombros ou sorrir condescentemente, temos que connhecê-las como a quaisquer outras. (...) É muito provável que as futuras gerações se surpreendam de que se haja podido prescindir assim, durante tanto tempo, de todo um período de nosso passado, precisamente o que deixou seus mais convincentes vestígios de si mesmo. Não será já tempo de acabar com esta falta de curiosidade (...) e admitir que, no campo das humanidades, se pode estudar sem desprezo, nem complexos, estes mil anos de história que foram algo mais do que simplesmente uma "Idade Média"?




                                                                   (Régine Pernoud, O que é a Idade Média?, Paris, 1977.)

Um comentário:

  1. Já estou seguindo, querida. Segue o meu também? srrs. Adorei seu blog, bjs.

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